sexta-feira, 22 de julho de 2016

A morte e o nascimento de J. P. Cuenca nas telas

por Caio Garrido
Uma autoficção engendrada através de um caminho tortuoso e tênue sobre um fio autobiográfico. Assim poderia ser definido o filme de estreia do escritor (e agora diretor) João Paulo Cuenca.

Eis aqui a Sinopse do filme: “ Em 2008, um cadáver identificado pela polícia com a certidão de nascimento do escritor João Paulo Cuenca foi encontrado no esqueleto de um edifício invadido na Lapa. Inspirado nesse fato, o filme investiga o roubo da identidade do autor num Rio de Janeiro fantasmagórico e em profunda transformação. Se na ficção e nas páginas policiais é lugar-comum os vivos roubarem a identidade dos mortos para começar uma nova vida, o que temos aqui é o caso oposto: alguém que rouba a ­identidade de um homem vivo para morrer em seu lugar. “

“A Morte de J. P. Cuenca” é um filme que desde seu início impacta e desafia o raciocínio e compreensão do espectador: Onde de fato inicia-se a ficção e fantasia e onde termina a realidade dos fatos? Aonde esse divórcio se dá? (Essas perguntas podem fazer mais sentido, quanto menos o espectador tiver informações prévias acerca do filme)

Cuenca (autor) provavelmente conseguiu atingir um marco considerável com essa obra. Trata-se a meu ver de uma obra de arte, com uma costura fina e das mais bem trabalhadas do cinema contemporâneo brasileiro.

Toda nossa fuga acumulada no braseiro do entretenimento diário é esquecida no momento em que começa a trama.

Ela se desloca em dois aspectos principais: Na luta do personagem (J. P. Cuenca) em descobrir o mistério de sua própria “morte” através da busca do paradeiro das pessoas relacionadas ao achado de seu documento de certidão de nascimento em 2008 junto a um cadáver em um edifício ocupado no bairro carioca da Lapa, e com o pano de fundo - que também pode ser considerado um “personagem” da trama - da cidade do Rio de Janeiro, em permanente destruição e construção, representando aí a dissolução de toda identidade histórica arquitetônica da cidade.

No encalço de sua busca, está uma outra personagem - interpretada pela atriz Ana Claudia Cavalcanti - que estava junto ao morto no momento da chegada da polícia. Conforme a trama se desenvolve, o que parece é que ela também investiga J. P. Cuenca.

O que torna o filme singular e inovador é a superposição de gêneros, que passeiam pelo policial investigativo, suspense, pitadas de terror, comédia (comicidade), romance, erótico ao final (quase pornográfico), e o mais importante: arte (que atravessa todo o filme).

O autor conseguiu inocular o sentido de suas possíveis referências e influências, tanto literárias quanto cinematográficas, que poderíamos talvez deduzir (ao estilo de um investigador não tão sério) como sendo, entre outras, Kafka, Georges Bataille, e o cineasta japonês Nagisa Oshima. Mas isso são apenas chutes deste autor que vos fala. Pois se realmente foram influências para o filme ou para o autor, o diretor articulou de forma acurada tudo isso, porque se apropriou de forma original desses signos.

Não bastasse essas atordoantes combinações, o enredo foi tomando proporções insólitas no decorrer do filme, onde o próprio espectador poderia se tornar convidado a investigar (e ser investigado pelo filme), principalmente no momento em que nosso imaginário é ativado no sentido de nos perguntarmos sobre a realidade da própria obra que está sendo assistida, e de que seus pressupostos básicos estariam em risco. A obra aí, como um todo, é colocada em questão. Evidentemente, não irei adiantar aos leitores, para não revelar spoilers, e não comprometer a dignidade de quem vos fala, pois pode ser obra do imaginário deste que escreve.

Como se vê, e para onde se olhe no filme, a questão da fragilidade da identidade está posta.
O autor é um auto-ironista, e usa isso a seu favor para momentos de sutilezas cômicas.

Essas auto fraturas, todos nossos auto-enganos, e tudo que tem a ver com nossa particular consciência das coisas, está em jogo nas considerações acerca de nós mesmos e do mundo que nos cerca. Pra resumir, nos enganamos demais com nossas conclusões sobre política, economia, e quem é o outro. Sobretudo, o problema do humano é um problema de linguagem.
Como não quero por os pontos nos is, não sendo este o objetivo deste curto texto, o que interessa aqui (novamente) é a questão da identidade, como falei acima.

Tanto a perda de identidade histórica da arquitetura da cidade, como a perda de identidade cultural, com a respectiva solidão que acaba por nos atravessar, diante da magnitude de nossos adversários, são objetos que poderíamos caracterizar como sendo de estudo para quem vê criticamente o filme e nossa sociedade.

Por toda essa conjuntura de interesses econômicos destrutivos que penetram nossas cidades, a nossa conhecida solidão é assim amplificada.

No filme, isso se reflete na solidão do personagem principal. Tanto em sua busca quase solitária, como quando num diálogo do filme, isso é deflagrado em suas palavras; A cena traz o agente funerário (que J. P. contrataria em caso de óbito de sua pessoa) dizendo a ele que precisaria ter um familiar ou apenas o nome de um “chegado” constando no documento que a partir dali deveria carregar consigo, pois caso morresse, só assim seria possível identificá-lo como cadastrado nessa agência, e assim receber os benefícios. Especificamente, o que deflagra sua solidão e desamparo, é quando J. P. lhe responde dizendo se ele (o agente) não poderia ser esse “chegado”. Essa solidão é uma sombra que o enlaça e persegue.

E são duas solidões que se encontram no final, à moda “batailliana” (veja livro: “L'Erotisme”), nessa Babilônia em que vivemos. Encontro que diz mais de nós do que dos personagens, no fundo. Encontro que produz, que possibilita a convergência numa fusionalidade perdida, uma entrega de corpos aludindo à morte (à pequena morte, ou o mais conhecido orgasmo), e o estar-em-carne-viva que é esta vida.

Entre sermos espectadores do mundo a morrer e jazer no quadradinho de deus, ou atuar com o mais autêntico de si e morrer numa “obra”, evidentemente que o elemento autoficcional é decisivo para que não nos tornemos artificiais. Dado o mundo contemporâneo, que produz delírios de toda ordem, e que cria no imaginário social o ideário de um novo mundo sem lastro real, o que resta é soterramento e a morte de nossas verdadeiras identidades humanas.

É verdade que somos parte do problema do qual desejamos erradicar do mundo. Mas é curiosamente aí que pode morar um dos grandes paradoxos de nossa existência: Se pretendemos nos livrar do problema, teríamos que nos livrar de nós mesmos. De todos nós.

Em suma, o filme do qual tento falar, joga com a dissolução das identidades, ora pela morte, ora pelo assassinato impiedoso de nossas memórias e afetos pelas instituições e pelo Estado (aqui há a supressão da identidade), ora pelo amor (no amor perde-se e ganha, há um perder-se no outro, há uma perda de referência sobre si), e ora pelo pelotão de perdas inevitáveis que podem também serem constitutivos de novas identidades.

Eu poderia aqui ainda falar de muitas coisas incríveis no filme, como a edição de som, da escolha da trilha sonora, entre outras. Mas isso seria tentar identificar e rastrear o inefável que é a película. E a falta que nos move.

quarta-feira, 13 de maio de 2015

Resenha - "As moiras"- de Renato Essenfelder

As moiras - Uma leitura

por Caio Garrido

Ensaboado de pedras. Puxado por mil arames em farpas desfiando-se pelo ritmo aparentemente inocente de um nascimento, cujas vísceras nunca mais serão as mesmas. Marcas ficaram. Mas mais do que marcas, partes dessas vísceras nunca mais poderão sentir, e se ressentirão por isso sem saber.

Todo parto é uma benção aparente. Que é dessas coisas que mal sabemos e não nos lembramos as que mais nos influenciam.

Poderíamos dizer que, com esse tom nasce a obra "As moiras", segundo livro do jornalista e escritor Renato Essenfelder. Ou será escritor e jornalista? Prefiro a segunda opção. Pra ser um grande jornalista (da verve dos escribas), há de passar pelo crivo da boa escrita. E Renato atravessa por entre as frestas dessas passagens estreitas com o "Parto", narrativa que abre o livro, iniciando de forma poética o ambicioso projeto de narrar a vida cotidiana a partir de um terceiro olho vindo dos invisíveis fios da mitologia que articulam a vida humana como conhecemos (e que de certa forma preferimos desconhecer). 

À medida que o livro nasce e cresce, vai abarcando o mundo, através das escalas mais ínfimas ou do olhar mais amplo vindo das Moiras, as irmãs que fabricam, tecem, e desatam os fios da vida a seu bel prazer. O mundo visto do ponto de vista infantil ainda pode ser belo, o da mulher desamparada pode ser árido ou possivelmente fértil, o do homem, sempre febril, com seu verdadeiro amor e mulher para sempre perdidos. O homem ainda se descobre nômade, mas muitas vezes perdido em sua própria casa, cidade ou sonho.

Os contos de Renato, vistos de frente são uma articulação do passado, de memórias que impedem o porvir. De trás, nos mostram a direção para um futuro sombrio, inescapável, frio como os dias que passam e perfilam melancólicos. Quando vislumbrados em perfil, seus contos se mostram num tom poético como até então não vistos em tais proporções em suas crônicas ou em seu romance.

Cinzentos, os dias após dias – repetições das mesmas certezas descoloridas – (retratados nos subsequentes temas de seus contos-poemas), antecipam o fracasso do final (pois o passado nunca volta, só o brutal corte desse passado que é dolorosamente atualizado e relembrado), e escondem-se sob as vestes moldadas pelos mitos (que controlam os "clep-cleps" de nossas sandálias gastas ao chão, como bem falam os contos de Renato), que também escondidos sob as vestes de contos, não deixam de exalar o odor de sua verdadeira natureza: A poesia. Ela, a poesia, também acostumada em revelar o cavafundo orgânico de nossa imagem pseudo-moderna.

A vida existe como tragédia ou como fortuna? Um Destino de privação? Ou privação de sentidos? Provação? Iniciação? Privação do poético da vida, que só a alguns, escolhidos, é permitida a visão?

Pois se destacam essas visões e questões a nos pairar ao final da leitura.

A vida faz uma pergunta ao nascermos, já disse o psicanalista Erich Fromm. E espera uma resposta de nós. Ao homem, "cumpre-lhe viver sua vida", e não ser vivido por ela.

As moiras, amalucadas e ainda moças moiras, não anunciam, mas secretamente esperam respostas.

É a vida que se rebela contra nós, ou nós que em vão nos rebelamos contra ela?

O que você quer escolher?


A sorte está lançada.

quinta-feira, 4 de setembro de 2014

A magia do gol contra

“Mostra tua força Brasil!”
Bordão dos únicos, exemplar vivaz do desejo dos brasileiros nos últimos meses, fez parte do itinerário cântico de todos nós.
Era 12 de junho: Todos com os corpos besuntados de verde amarelo, louros com um arsenal de badulaques, rixas avivando-se, xingamento aos representantes, mãos agitando-se com ingressos de ouro e origem duvidosa, ao ritmo das batucadas imaginárias e vozes em coro: “Com muito orgulho com muito amor”; O astral lá nas alturas das grandezas que nos projetamos.
Aos 10 minutos: Gol contra. Um 1º gol irrepresentável, num jogo que deveria ser inesquecível. Um prenúncio daquilo que já correspondia ao nosso grito bege?
Era preciso acreditar, ter fé no brasileiro. Mas outras contradições foram aparecendo na jornada: Sou aquele que xinga ou o que permite a existência de meu rival? Sinto-me identificado àquele que rouba, mas faz? Devemos nos espelhar nos europeus ou no nosso avesso sul-americano?
No campo, um Brasil de pijamas, envelhecido por um vazio de identidade.
O futebol é apenas um jogo, diziam, para minimizar a frustração.
Mas é preciso falar de uma crise de identidade no brasileiro. O quanto o futebol deflagraria isso?
O futebol, como fenômeno global e respectiva paixão envolvida, é história de uma nação e sua relação com o outro, e do comportamento em relação às suas dores e lutas.
Uma derrocada acachapante selou o destino final da seleção, deixando uma marca profunda em nosso narcisismo. Como diz a psicanalista Betty Milan: “Será que a improvisação vale mais que o planejamento? Por sabermos improvisar ou por sermos viciados na improvisação?”
Para evoluirmos nosso senso de identidade a cultura não pode seguir estanque. Deve abarcar qualidades e exemplos de outras sem perdermos a essência da nossa.

Estes acontecimentos, além das recentes manifestações, mostram um chamamento para algo que não é mais possível ignorar. A indignação não é com os políticos ou dirigentes, mas com nós mesmos.

quarta-feira, 9 de abril de 2014

Cenas

Se chuva quente ou fria, fruía sempre verões que brasas não me acendiam não posso me acalmar diante de suas tensões noturnas, que copulam comigo e tantas outras, madre teresas, em Calcutá, Bogotá, Chile, posso ficar nua se quiser, tirar meu xale, enrolar-te em formas sinuosas de estrada perigosa desde que fomos cantar à beira mar e o peixe pulou em minhas costas e latejava latejava que dava prazer pela primeira vez sentia alguma coisa, ele não era páreo pra você, vira lata come sujo todas fontes de cheiros indesejáveis como quando te peguei na cama fazendo arfar com aquela, com aquela cigarra, gritos estridentes os dela, beirando meu colapso.

Máxima culpa apertada a sua de enfeixar então minhas coxas num membro só, que de tantas apunhaladas ainda sobrevive sem nexo em suas dobras, estendidas por sobre seu rosto, querendo-te fazer meu, fazendo de contas que virando e mexe um suor só seria o suficiente pra me fazer em estupor de prazer infinível.

O tempo termina assim... que sai e você da rua acena insuportável pra janela de mim fora de mim insípida estou então tão terrena, jogando fora suas roupas, seus credos, assim como opções estúpidas digo que sou tola mesmo assim, não podia me aparar cortando os cabelos, touca pobre de obstar filhos, insuportáveis que são, berrando do outro lado da parede gasta com roncos seus que me faziam acordar então só e furtada de meu sono breve sem sonhos que era estar vigiando aquela trupe de circo que faria todos nós felizes, porque não? uma tropa de moleques e nanas nenês quentes durante a noite, trocando suas fraldas seu velho babaca que só quer subir de bondinho sem risco algum que criança não trocaria por nada aquele friozinho de barriga cheio de energia pra dar, entrega de quando em quando uma ou duas pizzas que sumidas pelo vinho branco me azeita até chegar à superfície o líquido branco que então me faz lembrar de sua tia e suas tetas apostadoras, intuição para fins de acordo específico entre eu você.

Não, não há acordo, desde que eu me enxergue inteira inefável um dia inteiro sem sequer sair do berço fui então amparada ao cair, caí como quem veste uma roupa de supetão como a vez sem direção arrancou os botões de minha calça jeans que inflava ao receber-te assim tão inteiro, tenha dó de mim, por favor não se vá, não, me deixe tonta mais uma vez, sobe depressa em minhas costas, Jerusalém em dois passos, maomé deitado em minha cama faço dele um campeão, já faz tempo que cruzei com você no avião, olhando jeitoso pros meus lábios que não sabiam sorrir, uma intenção dourada crescia veloz, ah meu deus, aquele dia fiquei com medo da morte, não era o avião, ah, delícia suspensa daquele jeito em seus braços, interrompida pelo toque de cartas se soubesse a profecia.

Desde então o balanço me persegue. Nada como aquele dia.


Não me encontre deitada. Não se esqueça de mim. Não faça de conta que sempre estará aí, pronto a me pegar no colo e embalar-me enfim.

sexta-feira, 6 de dezembro de 2013

Lançamento livro - parapeito- Caio Garrido


Eu e a Editora Patuá convidamos a todos para o lançamento do livro "parapeito" - Caio Garrido

O evento será realizado dia 11/12 a partir das 19h30 no Bar Paulistânia - R. Daniel Kujawski, 193, Ribeirão Preto - SP.

A entrada para o evento é gratuita e o livro estará à venda por R$ 30,00 (pagamento apenas em dinheiro ou cheque). O evento terá música ao vivo (Acústico - Voz e violão e não haverá cobrança de couvert artístico).

O livro já está à venda em nosso catálogo. As compras pelo site podem ser parceladas em até 12x. Aproveite!

Saiba mais sobre o livro e o autor em: http://www.editorapatua.com.br/index.php?option=com_content&view=article&id=216

Em breve, lançto. em SP.

segunda-feira, 16 de setembro de 2013

Indústria de imposição cultural

Ah, cansados de tanto conhecimento... Tanto conhecimento improdutivo... Onde a arte e a cultura não chegam até Deus. Fausto em novas facetas; As faces macabras da indústria cultural.

 Você prefere o ‘Funk Ostentação’, Funk Procriação ou a Mulher Chiclete? Que gruda em seus olhos e ouvidos e opera uma catarse emocional onde a única fonte e objetivo é o capital?
Que os antigos filmes futurísticos nos protejam. Pois o apocalipse agora é real e faz mais crentes por metro quadrado do que toda antiguidade.
Ver TV é o mesmo que ir ao cinema que é o mesmo que ir à igreja, que está na TV, que deus nos proteja, anuncia o último sucesso musical cristão.
Não tenho nada contra os evangélicos nem com os cristãos. Vejo até grandes atributos no que uma comunidade religiosa pode proporcionar a uma pessoa. Isto quando a coisa não é distorcida a um grau já definhado.
Mas tudo faz parte de um grande pacote da indústria cultural, que entorpecendo as massas, dita as regras e nivela por baixo o grau a ser superado para se atingir um padrão estético que seja o suficiente para manter uma sociedade hiper-estimulada, induzindo a velha fábrica de seres não pensantes.
E cada vez mais temos que nos voltar para a tela do computador – infelizmente – para que possamos ter uma experiência de qualidade, como assistir a um bom filme – fugindo da legião de iguais nas telas grandes – ou ler uma opinião jornalística aprofundada, ou simplesmente ter o prazer de saber que existe boa música por aí. Mas isso sempre com muita pesquisa, pois não se consegue descobrir o benéfico e distinto em meio à imensa malha da rede virtual.
Em meio a essa virtualidade, o que pode ser considerado arte vai se tornando cada vez mais banal e aberto a qualquer critério.
Mas o que é vida senão uma grande banalidade? A televisão se tornou metalinguística, ora pois; Ou foi a vida? Reality shows; “O show da vida!”
Que o Show de Truman nos proteja.

A arte e a cultura deveriam ter o poder e capacidade de ampliar o campo de visão de um sujeito, e não estreitar sua possibilidade de ver, ouvir, sentir, pensar. A sutil Banalidade do Mal.
Bem ou mal, o fato é que o cinema, ou a arte contemporânea, ou a música, ou o jornalismo (vide o anúncio de fechamento de grandes revistas nacionais de cultura) e outros, tornam-se cenários de grandes torturas pra quem gosta de arte. É como se todo o ‘lixo eletrônico’ da sua pasta SPAM viesse à tona a todo o momento.
Estes lócus artísticos vêm se tornando palco para as pirotecnias da indústria cultural, que tal qual vendedor de uma nova gramática, se aprofunda em fazer o que sabem de melhor: Marketing, propaganda. Pois vivemos numa sociedade em que fazer merda ao vivo no youtube é sinal de criatividade, bom gosto e dom divino.
Mas merda não é privilégio do youtube. Haja vista uma recente exposição na respeitabilíssima Royal Academy of Arts. Os detalhes sobre a peculiar exposição estão descritos no livro “A Civilização do Espetáculo” de Mario Vargas Llosa – Prêmio Nobel de Literatura em 2010. Mario fala sobre a obra de um jovem chamado Chris Ofili, que monta suas obras sobre bases de cocô de elefante solidificado. Esta e outras do rapaz deram o que falar na exposição, pois o que vale hoje é gerar publicidade.

E os intestinos estão soltos e atingem a todos...
Tenho bons amigos que já estão acreditando que deve ter um pouco de arte no funk ou no sertanejo universitário, afinal, eles representam o gosto popular.
Quem se lembra do Saltimbancos, estouro de sucesso na época gloriosa dos Trapalhões? Ou o Plunct Plact Zum, programa especial infantil exibido na década de 80? O que o popular daquela época difere desta? A trilha sonora desses antigos programas e filmes é detalhista na resposta: Maria Bethânia, Chico Buarque, Raul Seixas, Elba Ramalho, trazendo músicas populares que até hoje fazem parte do nosso dicionário de lembranças.
Pois fui então a outro dicionário e encontrei o significado não de popular, mas de popularesco. O que é popularesco: “Baixo calão, má qualidade, qualidade duvidosa. Que é vulgar ou de baixa qualidade. Que imita o que é popular.”
Prefiro acreditar neste velho oráculo.



Caio Garrido

segunda-feira, 3 de junho de 2013

Encontros Psicanalíticos na Vila

O Núcleo Tavola | Espaço São Paulo, em parceria com a Livraria da Vila, a partir de agosto de 2013 receberá os maiores nomes da Psicanálise brasileira, tratando dos temas mais pungentes da contemporaneidade, com assuntos que vão da teoria e prática clínica à sociedade.
Mais informações: http://nucleotavola.com.br/sp/
e https://www.facebook.com/nucleotavolasaopaulo

quinta-feira, 14 de março de 2013

O “furo” da Arte


Pudemos observar nas últimas semanas o desdobramento de um fato que ainda traz ressonâncias na mídia e na arte: O “caso Isabella”. Recentemente, o espetáculo teatral “Edifício London” da Cia de Teatro Os Satyros, escrito por Lucas Arantes e dirigido por Fabrício Castro, e que por ter sido influenciado pelo caso em sua expressão, teve sua estreia proibida na cidade de São Paulo. Não fosse isso somente, a discussão se acalorou em torno da liberdade de expressão e da censura em nosso país.

É legítima a decisão judicial? É legítimo o desejo da mãe de Isabella buscar a iniciativa da busca de uma proibição?

O espaço ou liberdade individual de Ana Carolina Oliveira, mãe de Isabella, já havia sido invadido no momento em que Alexandre Nardoni entrou na sua vida, e não agora, por uma peça teatral fazer algum tipo de referência ao acontecimento.

Seu lugar e seu luto foram então violados pelas sucessivas abordagens que o mundo jornalístico deu ao caso.

O que aconteceu factualmente no crime? Quais explicações psicológicas vieram? O não saber é angustiante por natureza.

Mas o apelo jornalístico aponta sempre para o passado. A Arte tenta apontar para o futuro.

Entre fatos e futuros não está o furo de reportagem. O furo jornalístico já vem furado por se preencher e se alimentar de um impacto. Quando o impacto é grande, todos os tipos de crateras submersas se revolvem, voltam à vida e se autorreproduzem, criando versões, opiniões, construções imaginosas, podendo se distanciar da verdade. A mídia se apropria então das versões com um grau de indecência que só ela sabe, se utilizando de um sensacionalismo que vai das formas mais perversas às mais sutis.

Como então exigir da arte uma abordagem pura, se a mídia já dissecou e subverteu o caso?

Foi questionado que a peça “Edifício London” tenha violado a liberdade ou espaço individual da mãe de Isabella.

A liberdade individual se dá no espaço social, à medida que esse espaço permite o ser político do ser humano. A possibilidade de diálogo é a justa medida em que a liberdade de se expressar se ajusta. A arte sempre aponta para um possível diálogo. Segundo a filósofa política Hannah Arendt, “onde há política, há espaço público e onde há espaço público, há diálogo; e onde há diálogo, há direitos”.

Entre vasculhar a memória, livros, ou leis, só conseguimos chegar a um lugar que é do passado. Está morto. Para elaborar a questão da liberdade de expressão e de sua censura, um ato possível é utilizar a intuição. A intuição vem de um espaço que é de onde surge o verdadeiro pensamento, o que traz o novo, a descoberta.

E foi isso que a lei violou. A possibilidade do novo.

A Arte deve ser disruptiva; Aquilo que inclusive pode romper com uma censura do psiquismo, entre o que pode entrar e sair do inconsciente/consciente. E tudo que vem romper com algo, geralmente é “censurado” de uma forma ou de outra. Não é aceito de imediato. As maiores teorias sobre o humano – por exemplo a de Freud – sofreram com a não aceitação imediata. A Arte não tem a obrigação de ser provocadora, mas pode e deve provocar. A boa Arte é em algum sentido subversiva e traz através da ficção, uma verdade. Se essa é a crítica em relação à peça, então ela é “culpada”. E ao mesmo tempo um êxito.

Nesse ponto, talvez a peça tenha mais verdade do que tudo o que se veiculou durante um bom tempo no medíocre espaço “público” televisivo.

A peça teatral em questão dialoga em favor da sociedade e não contra. Talvez a verdade seja um tanto difícil de suportar. A verdade que subjaz sob os interesses e artimanhas do psiquismo humano.

A Arte se serve de metáforas, e talvez esses acontecimentos recentes poderiam servir como um severo chacoalhão na sociedade coisificada, em que talvez seja necessária uma urgente melhora no pensamento, na apreensão da arte e da vida.

Com essa proibição, perdemos o melhor que poderíamos obter: A discussão sobre o objeto artístico da peça, o humano e seus movimentos e mobilizações interiores. Eu sei, porque tive oportunidade de ver. Esse é um outro problema da censura: Uma longa discussão sobre o que não se viu.


"Quando a realidade não da conta de suplantar os mistérios, de esclarecer os motivos de determinados desvios sociais, a arte busca preencher o vazio desse mistério com perguntas e soluções possíveis. Discutir o papel da arte como crônica do seu tempo, expandido a noção de notícia para uma perspectiva artística, descobrindo outras possibilidades na mudança deste ponto de vista, permearam toda construção ficcional, lançando novas luzes sobre a realidade ao trazer a reflexão da mesma de uma maneira estética. Os noticiários nos atingem de forma agressiva e falta tempo para digerir tantas informações. Com isso, todas as notícias se tornam superficiais e se mostram incapazes de atribuir novos significados à realidade, sendo esta, impossível de ser conhecida completamente. Na escrita deste espetáculo, não houve a necessidade de assemelhar-se com o real, mas sim buscar uma simulação para instaurar a dúvida sobre o princípio de realidade. Pretende-se ultrapassar o efeito do real, criando, por meio da interseção entre o sonho e a realidade, uma terceira dimensão. Uma peça de teatro escrita será sempre diferente da transfiguração das mesmas palavras para o palco. A cena tem uma urgência do seu tempo e de outros criadores com seus tempos. O espetáculo se justifica por ele mesmo. O texto também se justifica, mesmo que isoladamente. Um texto de teatro terá sempre as suas grandezas e equívocos, assim como um espetáculo teatral. Por isso ambos dialogam e se completam. Por isso a necessidade de se publicar uma peça de teatro. E também de sua encenação" - Lucas Arantes

sexta-feira, 13 de julho de 2012

Kafka às avessas

Sempre que acordo depois de um sonho em que voo, o despertador do tic-tac me soa absurdo; O anúncio da manhã vira um horror e o tic-tac do relógio de ponto também aterroriza meus cantos escuros ainda dormentes. Será nossa alma apenas um simulador de voo?

A existência como absurdo;

Esses dias um amigo falou: “Existir é um fato um tanto estranho”. Me pego no papel de mim mesmo e vislumbro o cerne disso.

O melhor pedaço de nossa existência pode ser colocado numa folha de papel, em uma página. Somos alferes das coisas esquisitas; A literatura que o diga.

A literatura é um diálogo de vozes. Da viagem da voz de um autor e seus personagens até o nosso íntimo, que reitera e renova essa conversação.

Kafka, um autor dos mais criativos, foi um homem que bebeu na fonte da esquisitice e ergueu uma obra literária monumental. Mais do que esquisitice, o que ele fez foi dar forma ao que chamamos de absurdo.

O realismo mágico metafísico, uma das definições aplicadas à obra de Kafka, é uma subclassificação da literatura fantástica consentida, em que há uma ruptura com algo dos costumes usuais, que se alteram e assim beiram o absurdo e o surreal. É um fantástico consentido, pois o leitor está ciente da ruptura em questão.

Mas o flerte com o absurdo, falando em termos de arte, não se limita à literatura. É o que vemos no filme recém lançado “Para Roma, com Amor” (2012), dirigido e escrito por Woody Allen.

O próprio título do filme já traz embutido em si uma coisa: O que se espera de alguém que vai a Roma? Encontrar o amor? Experienciar e apreciar toda a aura romanesca da cidade? Vivenciar uma paixão fugaz?

Sair da realidade parece ser a ânsia de quem quer desfrutar uma cidade como Roma. É a busca de um “plus” no rescaldo de uma existência comum.

Mas aquilo que se espera de algo, limita a experiência, que por excelência seria experimentar, experienciar o diferente, o inesperado.

Um dos personagens do filme – personagem de Woody Allen – é um exemplar humano dos mais cômicos: O único homem com três ids!

O id é a instância da mente definida por Freud como sendo a parte mais próxima dos instintos, dos desejos irreprimíveis; a fonte de energia que funciona e se dirige para a obtenção de prazer e satisfações ilimitadas. Ora, se ele tem três ids, onde estarão o ego e o superego?

Deixo a resposta de lado para que os personagens do filme nos mostrem o que é romper com o cabível.

Tomemos como exemplo o personagem de Roberto Benigni – Leopoldo Pisanello – uma dessas pessoas chamadas “comuns”. Vive sua vida pacata, com seu emprego, sua mulher e filhos. Não aspira nada além de sua ventura cotidiana. Mas eis que a tentação agridoce da fama vem lhe aventar o espírito. Ele é levado à condição de celebridade instantânea assim que uma certa câmera e certos jornalistas o implicam no papel de alguém famoso. A fama pela fama.

Na estiagem de nossos desejos, o culto à celebridade é elevado a sua máxima potência. O filme representa bem isso. Hilário em seu papel, Leopoldo não entende como a exploração de seu dia a dia pode se tornar uma coisa tão importante para a mídia e para o público.

A questão óbvia é que ali não reside importância para um público. É importante tão somente para o ciclo autofágico da mídia atual, que se autofecunda e auto sustenta. É o que o filme dá a entender da visão perspicaz de seu criador, Woody Allen.

Woody, fazendo no filme o papel de um diretor de ópera, encontra em um agente funerário a possibilidade do sucesso – e da fama.

O personagem do agente funerário é um tenor em potencial, um homem comum que canta de forma fenomenal somente no chuveiro. Mas o diretor de ópera, depois de descobri-lo, não aceita que esse dom fique restrito ao círculo da família e das paredes amplificadoras do banheiro do agente.

Mais um caso de hipérbole cômica que Allen se utiliza para marcar o território do qual ele fala.

Mas voltemos a Leopoldo Pisanello. Leopoldo, com suas caras e bocas, lembrou-me um personagem de Kafka – do livro “O Processo” – que é processado por algo que não sabe, mas vai até as últimas consequências do processo, mesmo não entendendo porque continua a ir a todos os tribunais sem mesmo saber da necessidade real de a estes locais comparecer.

Já Leopoldo é investido de fama repentina sem entender o motivo.

Há aí um estranhamento provocado em cena e no espectador.

Uma das funções da literatura (se é que se pode dizer assim) é provocar o estranhamento. A de Kafka é assim, e o roteiro imaginado por Woody assim o é também.

O personagem Leopoldo sofre de um mal. O mal do não saber. “Vigie todas as casas, Ó Senhor, pois não sabemos quem pode entrar…”

Mas nós sabemos o que se passa. Há uma coerência encantadora.

A presença fantasmática do microfone (talvez mais um truque de Woody Allen), solto em cena, livre para o espectador vê-lo, está ali como um excesso, mesmo que à margem, daquilo que Woody tem a dizer. Nas cenas, o microfone fala. Assim como no caso da fama pela fama, nem todos que são colocados no posto de persona célebre têm algo a falar. A fama fala por si só. Então no caso do microfone – não sabemos se foi erro de projeção ou ato intencional de Woody, mas cabe aqui conjecturar – o microfone é que fala. Apesar de intruso, isso não altera em nada a coerência interna do filme.

Mas se fôssemos falar em forma, fama, e roteiro, diria que nossas vidas são objetos ficcionais. Vivemos em um roteiro não pré-determinado, numa rede, como um jogo. A vida como um jogo, como diria Heidegger. Segundo ele, não jogamos porque há jogos, mas o inverso: há jogos porque jogamos.

Mas não é possível sair deste jogo pelos fundos, como no cinema.

Este jogo que vivemos é autêntico e vira literatura.

No filme, o absurdo nos é apresentado às avessas. Num momento em que o ideário coletivo é da fama pela fama, ser um cidadão comum é uma ruptura do real. Ser comum é sair da realidade.

Evidentemente que a literatura – ou o cinema – tem seus artefatos linguísticos e limites que nos impedem de abraçar o jogo em sua completude.

Mas saltei da poltrona do cinema com a sensação de, por algumas horas, ter saído da realidade.

Num mundo de vontade e representação, Woody Allen nos convida a entrar em seu submundo e proclama a falência das coisas desimportantes.

Palmas à verdadeira Arte.

 
 
Caio Garrido.

quinta-feira, 31 de maio de 2012

Novas Oficinas Literárias - Escrita Criativa - 2012

Olá,
No segundo semestre iremos inaugurar novas Oficinas de Literatura e Redação pelo Núcleo Tavola.

Foram preparadas oficinas de escrita especiais e singulares no campo literário com os melhores professores de Ribeirão Preto e região.

São oficinas e cursos organizados privilegiando o que tem de mais original e específico em cada uma das áreas propostas, tendo desde já, estruturas e de ensino e conteúdos de nível nacional.
São esses os cursos:


Oficina Estética Literária e Psicanálise - Este curso visa oferecer noções de estética literária, assim como o trabalho consciente de “engenharia estética” do autor que se faz presente na estrutura do objeto, tornando a estrutura elemento indissociável da significação. Com Osvaldo Félix - Doutor em Estudos Literários pela UNESP.
Curso Livros do Vestibular Fuvest/Unicamp - Análise e interpretação aprofundada dos livros listados pela Fuvest/Unicamp para o vestibular desse ano. Com o professor Antônio Cassoni - Licenciado em Letras Clássicas pela USP-SP. Renomado professor de cursinhos como o COC, Objetivo e Anglo.
Oficina de Literatura Infantil - desenvolver o conhecimento e a capacidade de análise das especificidades do texto literário destinado às crianças, bem como a habilidade de produção de textos para esse mesmo público leitor. Com Carolina Bernardes - Mestre em Estudos Literários (Unesp)/ Vencedora do Prêmio Literário “Grandes Empresas na Literatura” por sua obra Flauis (2010).
Oficina Monteiro Lobato: “Nos Domínios do Saber Lobatiano” - Resgatar, por meio da leitura, análise e discussão de textos literários, a forma peculiar como Lobato construiu suas narrativas. Com Áurea Laguna - Especializada em Língua Portuguesa e Estudos Literários.
Redação Jornalística / Publicitária / Jornalismo Literário - Curso de redação jornalística e publicitária. Com Carmen Cagno - Jornalista com Mestrado em Estudos Literários pela Unesp. Trabalhou na imprensa de São Paulo como repórter pela Revista Veja, Jornal da Tarde, etc.
+ Informações no site: http://nucleotavola.com.br/literatura/

segunda-feira, 14 de novembro de 2011

Revista Tavola- Literatura & Psicanálise





Saiu a nova edição da Revista Tavola; Esta edição foi elaborada especialmente para o tema Literatura e Psicanálise.

Temos entrevistas com Contardo Calligaris, Antonio Prata, e muito mais...

http://nucleotavola.com.br/revista/category/ed7-112011-literatura-e-psicanalise/


Espero que gostem,
Um abraço!

sábado, 1 de outubro de 2011

Melancolia é uma questão de tempo


Dos expectantes sujeitos que formam casais ante a entrada do filme “Melancolia”, sopram no ouvido um do outro o que já esperam sentir: “Lars Von Trier não nos poupará de sentir o impensável”.

Previsões à parte, um polêmico e criativo cineasta como Lars nunca poderia dar o que o espectador espera.
A melancolia, traço psicológico muitas vezes formado na infância, nos remete a díspares disfunções sociais que trazem questões sempre não totalmente respondidas. Uns acreditam ser a química formada no cérebro a principal causa desse estado inquietante, outros julgam com ardor que a desintegração que demarca o isolamento do melancólico é provocada por certo egoísmo.

Para fazer um filme como este é preciso muita melancolia. E tomando um chá, inebriado por um planeta qualquer que não aparece no céu, que já estagnado por uma seca estação, aguarda algo de novo, seja um planeta chamado “Melancholia”, mote do filme atrás descrito, ou uma lua nova, espero eu também esclarecer algumas dúvidas internas.

Ambos os possíveis astros adquirem ares de novidade por estarem escondidos, por trás das vestes do sol ou das defesas erigidas pelos seres humanos, que através dos muros da insolidariedade (solidariedade é um conceito sem antônimo?), atravessam a carne psíquica dos companheiros, que muitas vezes são tratados como meras funções e não pessoas.

Lars levanta respostas um pouco acima dos planetas fantasiados; A personagem principal (Justine) fica sempre vitimada por uma solidão erguida por seus próprios semelhantes (irmã, pais, marido, chefe e “amigos”) que sempre a tratam como um brinquedo. Não a permitem ser triste. Quando a tristeza é legítima e permitida, é possível ser feliz na melancolia que lhe é própria. Como fugir de um ocaso de tal monta? Através da violência no rechaço de um falso amor que eles tentam em vão iludi-la. O que Justine questiona e a choca, fazendo-a entrar em conflito consigo e com seus familiares é o fato de ela ver sem véus que todas as supostas pessoas amadas que amparam seu viver, na verdade só amam o papel que ela cumpre na vida de cada um deles próprios, só amam o que Justine pode trazer ao narcisismo deles, isto é, ninguém se importa verdadeiramente com ela. E é neste momento que o mundo real sofre um corte em seu interior, sendo impossível um resgate psíquico.

Por um lado ela chega a um perímetro próximo da indiferença em relação aos familiares, mas por outro mostra o fardo que é a exigência da felicidade.

Ela experimenta vagas intuições... Sua irmã e seu cunhado se defenderam até o fim da percepção da realidade, trazida pela sombra de uma verdade negada.

Assim como o sol, que um dia efetivamente vai tombar, ou um planeta colidindo estrelas, a melancolia por todos espera, seja por um trauma, uma falta, ou a aproximação de uma apocalíptica transição da luz para o mistério.

O mundo


O mundo é um lugar sombrio. Uma roda gigante de latitudes e longitudes ainda inexploradas, terrores mal dormidos, poemas mal sonhados.


O mundo é um convite à depressão, à desilusão, à carne mal vestida da anfitriã das felicidades possíveis, o mundo é um convite à dispersão.


O mundo é um astro em rota de colisão, um cometa mal gasto, maltrapilho, ignorado pela Galáxia de Andrômeda.


O mundo é um composto de fenômenos, aliás, vale a pena crer na Aurora Boreal, que não é deveras real.


O mundo é um lugar onde sobram desejos, e um lugar-no-mundo é o que há de mais escasso.


O mundo é um lugar sombrio. Tem pessoas que nascem com medo do escuro. Eu aprendi a ter medo do escuro. O breu é um chão sem assento.


O mundo tem muita luz e ao mesmo tempo muito escuro. Por isso a meia-luz me é cara hoje. Mas a luz do mundo sou eu quem faço. Tem piras de fogo agorinha prontas a se acender na minha mão. Mas estão presas por minha insensatez, barradas por minha inata paixão.


O mundo é uma cabeça quadrada, que insiste que é redonda, pra poder chamar a atenção.

sábado, 2 de julho de 2011

A Instabilidade do Amor



Dizem que a Grande Tragédia é acreditar no amor. Que conversar com Deus, talvez seja mais saboroso. A soma de todos os medos, no final das contas, é estar só.


Sofre a alma humana ao perceber que, no final de todas as somas da vida e dos relacionamentos, o que resta é estar só. A ruptura inesperada ou a morte de um dos cônjuges pode trazer uma alquimia amarga que tomamos sem pedir por ela.


Os eremitas nas montanhas evitam o amor, a atração dos corpos. Para alguns deles, a alma tem de se separar do corpo e da mente. Mas nós, habitantes dos vales baixos, temos a tarefa de lidar com ambos, nosso corpo e mente, e além, o coração.


Os eremitas, na solidão, podem se encontrar. Já no amor, podem se fragmentar. Mas eles vivem o amor. “Praticam” o amor universal, a compaixão. Mas nós, apóstolos do amor romântico, aculturados por um ideal que diz que existirá uma única pessoa que de nós dependerá, temos de estar preparados para os revezes da situação amorosa, que por vezes, nos faz reféns de nós mesmos, adensando a quantidade de conflitos no relacionamento. O que fora criado para um casal ser feliz, inquieta, e com uma gama de conflitos o relacionamento vai esmorecendo, trazendo angústias, traições, separações e irritações, causadas por ambos os parceiros.


Que força é essa que nos leva a repetir de forma comungatória a forma como nos irritamos
com nossos parceiros amorosos? Desde o eremita, nós mesmos (ou o eremita em nós mesmos), escolhemos e temos de sustentar nossas escolhas e desejos. Ontem tive um sonho e nele estava a mulher de meus sonhos. Espero que o sonho baste, pois a realidade, a realidade passa... Comprometer-se com o outro é comprometer-se consigo mesmo. Comprometer-se consigo é ir em direção ao outro; Relaxar na afinidade e na diferença, e com a instabilidade que é a inflexibilidade de um e de outro. Se relacionar é afinar o instrumento do conjunto. O conjunto que é o casal.


Artigo publicado no Jornal O Aprendiz (Junho /2011)

domingo, 27 de março de 2011

Poesia - A Mentira (por Luís Augusto)

Mentimos Vivemos numa mentira coletiva Numa mentira convencionada Mentimos nossa piedade Nossa responsabilidade Nossa competência Nossos sentimentos Mentimos pela justiça igualitária Mentimos pelo lucro justo Mentimos pela preservação do meio ambiente Pelo bem-estar social Pelo desenvolvimento Pela pujança da nossa pátria Pelo cumprimento das metas Pelo que deve ser feito Mentimos para que o errado seja certo E para que o mal seja bem Para que a fome não se mostre Para que os indicadores sociais sejam positivos Para que a vida valha a pena Mentimos para a contabilidade, Mentimos para as estatísticas Para os nossos acionistas Para as planilhas de acompanhamento Para os nossos clientes Para os nossos chefes Mentimos para os nossos pais Para o nosso país Mentimos para o mundo e para a ONU (o que é a ONU, senão uma grande mentira) Mentimos para Deus e por Deus Mentimos para nossos companheiros Mentimos para o fisco e para o banco Mentimos a todo o momento E em tantas situações que mentimos para nós mesmos Mentimos para crermos Luís Augusto T. Morais

quarta-feira, 23 de março de 2011

Maria Bethânia e os milhões

“Maria Bethânia terá 1,3 milhão para criar blog

“A cantora Maria Bethânia conseguiu autorização do Ministério da Cultura para captar R$ 1,3 milhão e criar um blog. A ideia é que o site ‘O Mundo Precisa de Poesia’ traga diariamente um vídeo da cantora interpretando grandes obras.”


A maioria já sabe sobre esse episódio, mas vale a pena ler o que André Barcinski da Folha comentou sobre isso em seu blog:

http://andrebarcinski.folha.blog.uol.com.br/

sábado, 19 de março de 2011

As Redes Sociais


Em tempos das “Redes Sociais”, twitter, facebook, orkut, myspace, e outros, jatos de tinta da impressora são economizados em pró de uma vida pró-ativa na tela, na “rede”. A Internet vem se tornando uma fábrica de ideias e vem tentando tornar nossas vidas mais interessantes do ponto de vista da troca de informações e estabelecimento de novos contatos. É fato que nos enredamos numa teia sem saída? A aranha deixará de produzir sua teia natural para virtualizar suas relações com a barata?

Sonhamos o tempo todo imaginando o que será da tecnologia no dia de amanhã… O que ela poderá nos trazer de novo, que surpreenderá nossos espantos…

Sabemos que a Rede Social “Facebook”, que fora retratada no filme “Rede Social”, foi criada com o intuito de compartilhar fotos, ideias, vídeos, perfis, e muitas adereços mais, potencializando a forma de entrarmos em contato com os outros pela Internet. O filme que conta a história de Marck Zuckerberg, criador do “Facebook”, narra não só os fatos da história da criação, veiculação, e briga pelos direitos do site, mas também narra de forma convincente os conflitos da vida por trás da tela do computador. Marck inicia a criação do site por causa de uma frustração com a namorada. E é vendo o perfil dela, no site que o próprio Mark construiu, que o filme deliciosamente termina. Não há tecnologia que faça voltar uma pessoa que já foi embora de nossas vidas.

Será que poderemos emergir dessa imagem metaforizada de nossos ideais, dessa falsa imagem de quem somos nós? Os vínculos de amizade e de “amor” estão ficando cada vez mais intermediados pela musculosidade de nossos perfis ideais, ideais esses que não compartilham, mas separam. É a “capa dura” e perversa do mundo virtual e sua exposição. Pelo fato de termos tão pouco tempo para vivermos relações “concretas” com as pessoas, a Internet foi tornando nossas relações sociais e as “relações” com a nossa subjetividade cada vez mais automatizadas. Será que temos tão pouco tempo assim? Ou apenas estamos substituindo os “veículos” de “troca”?

Cuidado hein, não temos tempo a perder, pois se pararmos para pensar, o fruto da “Árvore do Conhecimento” já vai ter caído, e não iremos ter tempo de narrar a criação do mundo. O Gênesis estará perdido no labirinto das interconexões da “Rede”.


Caio Garrido.