segunda-feira, 19 de abril de 2010

Nos limites da loucura e da genialidade

Os psicóticos são exemplos clássicos de uma obra inacabada da natureza. Não é um julgamento isto que estou falando, nem um comentário maldoso. Simplesmente fato. Realidade. Realidade conturbada…
E a personalidade psicótica (assim como a esquizofrênica) é datada. Datada, pois é algo para Ser, que não vingou, ou ainda não vingou da maneira essencialmente “natural”. Um tempo primitivo da mente que se desintegrou. É como se os conteúdos do Id, os impulsos inconscientes instintivos, não podendo simbolizar-se, não atingindo satisfação nos momentos de vida mais primevos (na relação com a mãe), perderam o contato com a realidade, e estapearam a camada fina de um ego ainda em formação, e tornaram este ato, um ato quase ilícito, um ato de revolta de impulsos rebeldes.

Essa “rebeldia” inconsciente é algo que se não administrada pelo ego, coagula em loucura, ou se bem direcionada (se é que isso é possível) pode trazer uma superação das insatisfações pulsionais através de atos sublimados, como a arte e a criação em geral. Acredito que a loucura, a genialidade e atos artísticos estão sobremaneira ligados.

O ato artístico tem um porém, que é algo definido como uma transformação de conteúdos instintivos em pulsões que buscam como o objetivo a expressão na arte. É a tal da sublimação, tão pouco explorada por Freud.

Já a loucura vem de expressões do inconsciente, que por algum fator desconhecido (apesar de termos conhecimento de causas “ambientais” e genéticas) irradia todo um jorro de conteúdos sem simbolização para o indivíduo que sofre do mal, e dispersa todo esse excesso de energia psíquica em algo extremamente irreal. Daí vem as ilusões, delírios, alucinações.

Os gênios artísticos do nosso tempo são exemplos de casos de pessoas que chegaram a um ponto em que a loucura, ou algum traço/tipo de loucura, o prazer, e realização artística se fundiram e se confundiram. Exemplos como o de Nietzsche, Beethoven, Virginia Woolf, Salvador Dali, Tchaikovsky… A lista vai longe. Geralmente são pessoas dramáticas (no bom sentido e no mal às vezes), altamente emotivas, e carregadas de sentimentos.

A criatividade está muito ligada ao fato de se lidar com conteúdos advindos do inconsciente, dando a eles uma direção, um objetivo. Já os impulsos que perdem a funcionalidade, se tornam caóticos e ultrapassam sem filtros a barreira de contato que controlaria estes impulsos, ocasionando disfunções no aparelho psíquico.

W.R. Bion, psicanalista e teorizador da psicanálise, definia a barreira de contato como uma “fronteira” que se responsabilizasse por preservar a diferença entre Consciente e Inconsciente, preservando assim o Inconsciente. E da qualidade da barreira dependeria a conversão de elementos do Consciente para o Inconsciente e vice-versa.

Os gênios na maioria das vezes se aproximam perigosamente da loucura, pois há uma convulsão de elementos do inconsciente que atravessam uma certa “barreira” psíquica e vão em direção ao consciente, tomando assim alguma Forma. Quando esses elementos tão atraentes ao psiquismo, mas ao mesmo tempo temidos e rechaçados pelo consciente não tomam uma Forma, possibilitam a existência de “cargas” livres, uma energia, uma libido desvinculada de “objeto” que pode na maioria das vezes causarem “sintomas”.

Essa é a tênue linha pela qual caminham os seres demasiadamente criativos, desviando-se de atropelamentos de impulsos, e atravessados por insights e potências supremas, que se não bem administradas, podem levar à algum tipo leve ou desconjuntado de loucura.

Se de gênios e loucos, todos nós temos um pouco, não saberia dizer, mas os nossos sonhos nos dão uma amostra de toda essa vibração, criação e loucura inconsciente.

Que façamos mais “loucuras” conscientes!