sábado, 1 de outubro de 2011

Melancolia é uma questão de tempo


Dos expectantes sujeitos que formam casais ante a entrada do filme “Melancolia”, sopram no ouvido um do outro o que já esperam sentir: “Lars Von Trier não nos poupará de sentir o impensável”.

Previsões à parte, um polêmico e criativo cineasta como Lars nunca poderia dar o que o espectador espera.
A melancolia, traço psicológico muitas vezes formado na infância, nos remete a díspares disfunções sociais que trazem questões sempre não totalmente respondidas. Uns acreditam ser a química formada no cérebro a principal causa desse estado inquietante, outros julgam com ardor que a desintegração que demarca o isolamento do melancólico é provocada por certo egoísmo.

Para fazer um filme como este é preciso muita melancolia. E tomando um chá, inebriado por um planeta qualquer que não aparece no céu, que já estagnado por uma seca estação, aguarda algo de novo, seja um planeta chamado “Melancholia”, mote do filme atrás descrito, ou uma lua nova, espero eu também esclarecer algumas dúvidas internas.

Ambos os possíveis astros adquirem ares de novidade por estarem escondidos, por trás das vestes do sol ou das defesas erigidas pelos seres humanos, que através dos muros da insolidariedade (solidariedade é um conceito sem antônimo?), atravessam a carne psíquica dos companheiros, que muitas vezes são tratados como meras funções e não pessoas.

Lars levanta respostas um pouco acima dos planetas fantasiados; A personagem principal (Justine) fica sempre vitimada por uma solidão erguida por seus próprios semelhantes (irmã, pais, marido, chefe e “amigos”) que sempre a tratam como um brinquedo. Não a permitem ser triste. Quando a tristeza é legítima e permitida, é possível ser feliz na melancolia que lhe é própria. Como fugir de um ocaso de tal monta? Através da violência no rechaço de um falso amor que eles tentam em vão iludi-la. O que Justine questiona e a choca, fazendo-a entrar em conflito consigo e com seus familiares é o fato de ela ver sem véus que todas as supostas pessoas amadas que amparam seu viver, na verdade só amam o papel que ela cumpre na vida de cada um deles próprios, só amam o que Justine pode trazer ao narcisismo deles, isto é, ninguém se importa verdadeiramente com ela. E é neste momento que o mundo real sofre um corte em seu interior, sendo impossível um resgate psíquico.

Por um lado ela chega a um perímetro próximo da indiferença em relação aos familiares, mas por outro mostra o fardo que é a exigência da felicidade.

Ela experimenta vagas intuições... Sua irmã e seu cunhado se defenderam até o fim da percepção da realidade, trazida pela sombra de uma verdade negada.

Assim como o sol, que um dia efetivamente vai tombar, ou um planeta colidindo estrelas, a melancolia por todos espera, seja por um trauma, uma falta, ou a aproximação de uma apocalíptica transição da luz para o mistério.

O mundo


O mundo é um lugar sombrio. Uma roda gigante de latitudes e longitudes ainda inexploradas, terrores mal dormidos, poemas mal sonhados.


O mundo é um convite à depressão, à desilusão, à carne mal vestida da anfitriã das felicidades possíveis, o mundo é um convite à dispersão.


O mundo é um astro em rota de colisão, um cometa mal gasto, maltrapilho, ignorado pela Galáxia de Andrômeda.


O mundo é um composto de fenômenos, aliás, vale a pena crer na Aurora Boreal, que não é deveras real.


O mundo é um lugar onde sobram desejos, e um lugar-no-mundo é o que há de mais escasso.


O mundo é um lugar sombrio. Tem pessoas que nascem com medo do escuro. Eu aprendi a ter medo do escuro. O breu é um chão sem assento.


O mundo tem muita luz e ao mesmo tempo muito escuro. Por isso a meia-luz me é cara hoje. Mas a luz do mundo sou eu quem faço. Tem piras de fogo agorinha prontas a se acender na minha mão. Mas estão presas por minha insensatez, barradas por minha inata paixão.


O mundo é uma cabeça quadrada, que insiste que é redonda, pra poder chamar a atenção.